terça-feira, 19 de abril de 2011

Névoas...


Se aproxima o feriadão de semana santa e, provavelmente, muitos aproveitarão a folga para conhecer algum lugar "exótico". Nos últimos tempos, dada a conjuntura econômica, Buenos Aires é um desses destinos escolhidos por muitos turistas. Uma dica interessante, que deveria ser regra de todo viajante, é tentar evadir-se dos circuitos turísticos comerciais e aventurar-se a percorrer "o bairro", a cidade real, fazendo contato com pessoas reais, longe dos estereótipos criados ao longo de tanto tempo. A percepção da cultura da cidade ajuda a vivenciar com mais intensidade esta experiência singular. Neste sentido, a poesia apresenta uma perspectiva privilegiada que, com certeza, fará com que esses dias de férias sejam muito mais do que um divertimento. E, quem não for viajar, pode aproveitar a poesia e a música para fazê-lo, desfrutando da liberdade infinita que brinda esse meio de transporte.
Sobre as margens do "Riachuelo", descansa o limite sul da cidade de Buenos Aires. Na sua desembocadura, no Rio de La Plata, o famoso bairro La Boca mistura histórias de marinheiros imigrantes. Percorrendo o bairro, podemos achar antigas ruas de pedra e bucólicos cafés, onde a realidade parece escapar de um quadro de Quinquela. Nas águas poluídas do rio, murmura um cemitério de 70 barcos abandonados, e mais de 15 afundados gemem sua agonia. Nas manhas úmidas, a névoa invade a região, e pode se pressentir fantasmas de antigos barcos entrando no Riachuelo, para nunca mais voltar ao mar. 
Nesse contexto é que o poeta Enrique Cadícamo compôs, em 1937, o tango "Niebla del Riachuelo", onde lendas de barcos moribundos se confundem com amores impossíveis.

No primeiro vídeo, deixo uma versão exótica deste tango. A interpretação é por conta do cantor de flamenco, o espanhol Diego el Cigala, e o brilhante pianista cubano Bebo Valdés. É possível que um tangueiro tradicional possa estranhar, levando em conta o forte sotaque do madrilenho de família andaluza. Porém, a versão não deveria resultar tão exótica se pensarmos que, nas origens do tango, na década de 1860/70 o flamenco e a “habanera” tiveram uma influência importante. O flamenco, na forma de “tango andaluz”, e a “habanera”, dança no ritmo de 2X4, originária de Cuba, chegaram em Buenos Aires através dos imigrantes andaluzes, que partiam do porto de Cádis, na Espanha. A fusão de Bebo e Diego mergulha no passado remoto, onde o tango era apenas uma ilusão em um caldeirão de línguas, raças e misérias compartilhadas.
Também, deixo uma versão clássica, para tangueiro nenhum botar defeito: o Polaco Goyeneche com a mítica orquestra de Aníbal Troilo ("El gordo Pichuco"). 


Niebla del Riachuelo
Letra: Enrique Cadícamo
Música: Juan Carlos Cobián
Ano: 1937                                                                             Diego el Cigala e Bebo Valdés

Turbio fondeadero donde van a recalar                          
barcos que en el muelle para siempre han de quedar...
sombras que se alargan en la noche del dolor...
náufragos del mundo que han perdido el corazón...
Puentes y cordajes donde el viento viene a aullar...       
barcos carboneros que jamás han de zarpar...
Torvo cementerio de las naves que al morir 
sueñan sin embargo que hacia el mar han de  partir...

Niebla del Riachuelo...
amarrado al recuerdo yo sigo esperando...
Niebla del Riachuelo...
de ese amor para siempre me vas alejando... 
Nunca más volvió...
nunca más la vi...
nunca más su voz nombró mi nombre junto a mí...
esa misma voz que dijo:“Adiós”.
                                                                                                                   El Polaco y el Gordo Pichuco
Sueña marinero con tu viejo bergantín,
bebe tus nostalgias en el sordo cafetín...
Llueve sobre el puerto mientras tanto mi canción,        
llueve lentamente sobre tu desolación...
Anclas que ya nunca, nunca más han de levar...
Bordas de lanchones sin amarras que soltar...
Triste caravana sin destino ni ilusión,
como un barco preso en “La botella del Figón”...         


Niebla del Riachuelo...
amarrado al recuerdo yo sigo esperando...
Niebla del Riachuelo...
de ese amor para siempre me vas alejando... 
Nunca más volvió...
nunca más la vi...
nunca más su voz nombró mi nombre junto a mí...
esa misma voz que dijo: “Adiós”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário